Corpos poético-transgressivos. Madalena de Castro Campos: beata peccatrix?
DOI:
https://doi.org/10.13102/lm.v15i1.11214Resumo
Da tradição judaico-cristã, fundadora do pensamento ocidental, salienta-se uma das figuras mais maleáveis no que diz respeito ao discurso religioso-arquetípico e, assim, literário, Maria Madalena. Da sua condenação como dissoluta à instituição da figura penitente, a sua biografia é-nos delegada segundo os mitos a que os diversos movimentos a submetem, reconfigurando a personagem segundo uma ideia de feminilidade. Divindade petrarquista, cortesã pré-rafaelita ou a bruxa branca do Jardim de Crivelli de Paula Rego, é na oscilação entre a penitência arrependida e a culpa fatal que encontramos a sua pervivência. De facto, a transgressão, seja pela culpa, seja pela expiação, parece ser a pedra de toque da mesma.
Neste contexto, este artigo pretende ler Madalena de Castro Campos, aparente construção literária heteronímica, enquanto discursividade autobiográfica projetada pela sombra perscrutante do arquétipo, diluindo a precisão fronteiriça e vocalizando um espaço de interpenetração de sentidos possíveis. De facto, no ensaio de noções como poder e culpa, obediência e infração, a voz da autora-personagem ora investe, ora observa cruamente, parodiando os lugares fixos da vítima e do algoz. Em verso ou em prosa, em formato analógico ou digital, o processo de des/construção identitária acrescenta outras vestes, contemporâneas, à figura de Maria Madalena, reforçando a sua obstinação e elevando a verosimilhança da figuração da persona ficcional a pressuposto crucial do texto. Madalena interroga o significado de pecado ou falta e a sublimação dos mesmos na institucionalização da remissão, também ela mecanismo hierárquico. O movimento do mundo real para o mundo possível materializa assim um discurso problematizante, confirmando ele mesmo a autonomia desta personagem, transformando em corpo poético a sua resistência operante. Enquanto indagação, o universo poético da autora reflete a exigente relação entre o corpo e as suas discursividades, configurando um ensaio sobre a [auto]representação.
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