FAUSTO E O SUJEITO LIBERAL: NOTAS GENEALÓGICAS A PARTIR DE FOUCAULT
Resumo
RESUMO: Este artigo propõe um panorama genealógico em torno do mito de Fausto, considerando-o enquanto narrativa capaz de conjugar discursivamente duas práticas comumente tidas como distintas entre si, a do cuidado de si e a da governamentalidade, como atinentes a um mesmo tipo de racionalidade, a do sujeito liberal. Para tanto, começo por interrogar a subjetividade ocidental a partir da omissão subjetiva em Platão e do apagamento do eu na Odisseia homérica. Esse desaparecimento condicionante do sujeito aponta para a compreensão, na sequência, de como uma conduta ética pode, com o passar do tempo, converter-se em subjetivação moral. Com isso em vista, retomo e amplio o comentário de Foucault acerca do mito de Fausto, e argumento que a simbólica de um “retorno a si mesmo” segue na esteira de um modo de organização societária que incita a liberdade como meio de subjetivação. Por fim, discorro sobre como essa racionalidade liberal estabelece, à maneira do pacto faustiano, uma relação de indissociabilidade congênita entre liberdade e sujeição (ou “responsabilidade”), bem como entre a gestão populacional e a de si mesmo.
PALAVRAS-CHAVE: Fausto. Foucault. Sujeito. Liberalismo.
ABSTRACT: This article proposes a genealogical panorama around the myth of Faust, considering it as a narrative capable of discursively combining two practices commonly considered to be distinct from each other, that of care for the self and that of governmentality, as pertaining to the same type of rationality, that of the liberal subjectivity. To do so, I begin by questioning Western subjectivity from the subjective omission in Plato and the erasure of the self in the Homeric Odyssey. This conditioning disappearance of the subject points to the understanding, in sequence, of how an ethical conduct can, over time, become moral subjectivation. With this in mind, I return and expand Foucault's comment on the myth of Faust, and I argue that the symbolic logic of a “return to self” follows in the track of a mode of societal organization that incites freedom as a way of subjectification. Finally, I discuss how this liberal rationality establishes, in the manner of the Faustian pact, a congenital and inseparable relationship between freedom and subjection (or “responsibility”), as well as between the population management and the self-management.
KEYWORDS: Faust. Foucault. Subjectivity. Liberalism.
Downloads
Referências
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
CASTRO, E. Um Foucault neoliberal? Trad. de Mario Antunes Marino. Cadernos de Ética e Filosofia Política, v. 2 n. 35, 2019, p. 258-276.
DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005.
DÉTIENNE, M. Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.
FOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito: curso dado no Collège de France (1981-1982). São Paulo: Martins Fontes, 2004.
____. Ditos e Escritos II: Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
____. Ditos e Escritos V: Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
____. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.
____. História da Sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2014.
____. Microfísica do poder. Organização de Roberto Machado. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.
GAGNEBIN, J. M. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006.
KLEIN, N. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. São Paulo: Nova Fronteira, 2008.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
NEALON, J. T. Foucault Beyond Foucault: Power and Its Intensifications since 1984. Stanford: Stanford University Press, 2008.
VEYNE, P. Foucault: seu pensamento, sua pessoa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
WEBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
WILLIAMS, B. Shame and Necessity. Berkeley: University of California Press, 2008.